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Giana Viscardi não tem receio de seguir pela contramão. Hoje, quando a eletrônica parece estar presente em grande parte da produção musical, a cantora e compositora paulista lança “4321”, um álbum de canções essencialmente acústico, que destaca o violão e os arranjos de seu parceiro Michael Ruzitschka. Num momento em que o rock volta a ser incensado pela mídia como nova tendência dominante, Giana afirma sua personalidade musical com um trabalho inspirado na mais rica tradição da MPB, recheado de influências jazzísticas. “Cresci cantando samba e bossa nova”, diz a talentosa paulistana de 30 anos, contando que seu envolvimento com a música aconteceu aos seis anos, quando começou a cultivar a idéia de ser cantora. A primeira música que aprendeu já indicava o caminho que veio a seguir: o clássico samba “Rosa Morena”, de Dorival Caymmi, não à toa gravado por ela em seu primeiro disco. “Sei quase todas as músicas da bossa nova e tenho um repertório vasto de samba, Djavan, Cartola, Noel Rosa. Em casa, meu pai sempre ouviu Paulinho da Viola, Beth Carvalho, muito samba. Minha mãe gostava mais de jazz e ouvia Chet Baker, Billie Holiday, Ella Fitzgerald. Já o meu tio ouvia muita bossa nova, João Gilberto, Caetano Veloso e Gilberto Gil”, ela recorda, desfiando suas primeiras influências musicais. Giana também foi uma compositora precoce. “Com 11 anos eu já fazia musiquinhas, me acompanhando ao violão”, conta, lembrando que adotou o hábito de escrever na adolescência. Hoje, ela possui uma coleção de cadernos com centenas de poemas e esboços de letras de canções, inspiradas por poetas e letristas como Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Chico Buarque, entre outros. Foi a partir desses primeiros escritos que nasceram as composições que ela exibiu em “Tinge”, seu álbum de estréia, gravado em 2001. Também foi a esses cadernos que Giana recorreu para criar várias das canções do CD “4321”, oito delas em parceria com Michael Ruzitschka. Antes de decidir se dedicar integralmente à música, Giana freqüentou o curso de arquitetura da Universidade de São Paulo, entre 1995 e 1997. Ali, misturando poemas com artes plásticas, ela começou a desenvolver uma espécie de poesia concreta que marca até hoje seu estilo de composição. Essencial também para sua bagagem de intérprete de música brasileira foi o período em que atuou como vocalista da banda Rebento, com a qual mergulhou na melhor tradição nordestina do forró, do xote e do baião. Finalmente, a decisão pela carreira musical acabou por levá-la aos EUA, em 1999, para cursar a prestigiosa Berklee College of Music, em Boston. “Fui aprofundar meus estudos de jazz e acabei encontrando meu próprio estilo”, diz Giana, que ali formou uma banda de jazz brasileiro, estimulada pelos professores da escola. “Eles já ouviram demais essa coisa de Tom Jobim com Stan Getz e têm curiosidade por outro tipo de música brasileira. Então cantei muito Milton Nascimento, Djavan, João Donato, Tom Zé, Chico Buarque, Toninho Horta, um repertório com abertura para o jazz, também ao lado de músicos não-brasileiros. Essa foi uma grande escola para mim. Assim fui me arriscando mais nas improvisações e descobrindo o meu próprio som”. Além de dividir palcos com nomes de expressão na cena do jazz norte-americano, como Jerry Bergonzi, George Garzone e Bill Pierce, Giana também participou do badalado Montreux Jazz Festival, na Suíça, em 2001. Desde então já fez seis turnês pela Europa, apresentando-se em respeitados palcos de Munique, Viena e Zurique, entre outras cidades. “É essa dinâmica que a vida está nos apresentando hoje: tocamos e trabalhamos mais no exterior e compomos no Brasil”, observa Giana, referindo-se à parceria musical que ela e Michael Ruzitschka iniciaram em 2001, nos EUA. Depois de contribuir com os arranjos e boa parte da produção do álbum “Tinge”, o violonista austríaco mudou-se com Giana para São Paulo, em 2003, época em que os dois passaram a compor com mais intensidade. “Aprender a língua portuguesa foi essencial para mim”, diz Michael, que se apaixonou pelo violão brasileiro de Baden Powell e João Gilberto ainda na adolescência. “As letras das canções são muito importantes. Para se sentir mesmo a música brasileira, você precisa entender o que as canções falam, precisa assimilar a cultura do país. Eu gosto do som autêntico do violão brasileiro, esse violão maravilhoso que tem grandes músicos. É mais do que só tocar, é entender o que as pessoas sentem e pensam”, comenta o austríaco de 30 anos, que cursou um conservatório erudito antes de se envolver com o violão e os ritmos brasileiros. “Estudei oboé e até cheguei a tocar em orquestra, mas peguei a febre verde-amarela da música brasileira”, ele brinca. Apoiados em um sério estudo da linguagem do jazz, que ambos sabem utilizar com critério e inventividade em suas performances e gravações, Giana e Michael mostram em “4 3 2 1” que não precisam apelar a clichês da eletrônica ou do rock para fazerem uma música brasileira que soa fresca e atual. Na contramão dos modismos atuais, eles estão criando e interpretando uma MPB contemporânea, da melhor qualidade. Agora só falta que mais brasileiros comecem a apreciá-la, como já fazem os europeus e os norte-americanos. Por Chico César Giana Viscardi é o tipo de artista que, naturalmente privilegiado, não se acomoda com o que lhe foi dado pela natureza. Persegue a cultura e aperfeiçoa-se a si próprio. Vejamos: dona de bela e afinada voz e de extensa tessitura, ainda muito cedo foi estudar no CLAM, escola dirigida pelo histórico Zimbo Trio, onde entrou em contato com as sutilezas da bossa nova e do jazz. Depois migraria para Boston, nos Estados Unidos, a fim de estudar e viver música longe dos cuidados da família e da proteção dos amigos - que costumam amolecer o espírito de muitos artistas jovens. Se de corpo foi para fora do país, parece ter mergulhado de alma em um Brasil vivo, genuíno, interiorano. Nordestino até. Sua brasilidade não lança um olhar enternecido pelo “folclore” nem vem contagiada por um presumível saudosismo. Mostra conhecimento e respeito pelas matrizes de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, Cartola e Nelson Cavaquinho, que deságuam nas gerações mais recentes. De volta ao Brasil, traz o seu primoroso disco “Tinge”. E, inquieta, já mescla canções deste primeiro CD com outras novas músicas nos shows apresentados pelo circuito de São Paulo. E é aí que mostra uma artista que tem mergulhado fundo em si mesma, que não tem se poupado. Para quem faz ou apenas gosta de música é um prazer que Giana Viscardi esteja no Brasil. E, espera-se, logo sua música dispense apresentações. Diga-se por si mesma e mais de nós para nós mesmos. Por Carlos Calado [ www.gianaviscardi.com.br ] Read more on Last.fm. User-contributed text is available under the Creative Commons By-SA License; additional terms may apply.